Sobre o politicamente correto
Se não faz sentido, discorde
comigo, não é nada demais...
Capital inicial
Numa
dessas discussões intermináveis de Facebook sobre polêmicas sociais recebi alguns
comentários taxando como “sensibilidade exacerbada” das pessoas diante de uma
propaganda explicitamente machista. Para tal, respondi que não conseguia ver
como negativa uma profunda e séria mudança de postura sobre as questões de
grande relevância para a evolução da humanidade. Qual não foi a minha surpresa
quando li uma reafirmação da noção de que isso era sim, negativo, justificando que
reconhecer a discriminação nas palavras da propaganda da referida loja de
roupas para mulheres de Teresina era uma forma de deixar as emoções dominarem,
ou seja, abandonar a razão com possibilidade de cometer uma injustiça em nome
do “politicamente correto” e deixando a entender que as piadas do “politicamente
correto” eram hipócritas e que se autorizavam em nome do mesmo, quando
tentávamos unicamente mostrar a fragilidade da propaganda.
Algo
profundamente curioso é que em momento nenhum o comentador negou o machismo da propaganda
para, assim, justificar seu argumento. Ele simplesmente responsabilizou os
homens e mulheres que se ofenderam, acusando-nos de “sensíveis”! Mas o que me
chama atenção nesse tipo de comentário é que a pessoa obviamente sabe que este
é um mundo segregado, a tirar pelos outros comentários que fez exemplificando
outras minorias que não as mulheres. Ele critica que as pessoas se tornem
sensíveis demais a essa segregação, dando pouca relevância ao que gerou a
indignação das pessoas. Quer dizer, “seja motivo de gozação, mas não se ofenda
porque foi piada”. A pessoa ataca as supostas falhas na minha fala com um
discurso essencialmente injustificável. Piada ofende. Algumas piadas são
exatamente o exemplo da injustiça. A comédia sempre falou nada mais, nada menos,
que da condição humana em suas contradições. Eis uma das bases do que
entendemos como engraçado. Mas humilhação não é engraçado. A discriminação não
foi menor porque foi em forma de propaganda ou piada, ao contrário, ela foi
massiva.
Mas
o que me obrigou a escrever esse texto foi o uso pejorativo do termo “politicamente
correto”.
É
graças ao politicamente correto que estou sentada confortavelmente em frente a
um computador, alfabetizada e não amontoada com outras pessoas em alguma
senzala. Como mulher, negra, filha de pobres, é por causa do politicamente
correto que eu tenho hoje meu registro profissional. Porque as pessoas lutaram
nesse país pelo politicamente correto, posso dizer essas ideias sem que as
pessoas da minha família sejam acordadas no meio da noite e tenham nossa casa
revirada... pelo próprio governo! E me sinto especialmente tocada por essa
questão porque a minha profissão foi especialmente perseguida durante o governo
militar nesse país, e seu ensino tirado das escolas. E nós paramos? Não. Não
fiz parte daquela geração que ajudou a tornar insustentável o aquele estado de
coisas politicamente degradante, mas faço questão de não estar imóvel sabendo
que muito ainda tem que ser melhorado, extinguido, transformado, e por isso
digo nós.
Se
me perguntarem se tenho algum problema com o politicamente correto, direi sem
dúvida que NÃO. Para mim, o politicamente correto deu condições de vida digna
para a maioria das pessoas. Não falo de tornar a sociedade mais rica ou coisa
assim. Falo de algo muito mais essencial como dar direitos aos trabalhadores
que derramavam seu suor dezesseis horas por dia em uma firma. E tem mais: o
ideal não é que as mulheres não precisem se ofender com essas atitudes, mas que
elas não aconteçam por não haver razão de ser. Lutamos é pelo dia em sejam
bizarras essas propagandas, mas isso não virá sem remarmos contra a maré. E o
fato de a maré estar cada dia mais a favor irrita alguns.
Dizer
que as minorias exageram não é apenas mentiroso, é pretender convencer de que as
pessoas que tentam tornar a vida dos brasileiros um pouco mais cidadã, são as
vozes da opressão. Essa tentativa é inútil, e ridiculariza quem a faz, pois todo
momento político tem questões a serem elaboradas pela própria sociedade. Ela implica
tomar as exceções pela regra e tentar deseducar querendo tornar menor o
sofrimento, claro, dos outros, que é sempre mais brando.
Se
alguém me disser que emoção impossibilita a racionalidade humana, tornando o
ser incapaz de criar, gerar conhecimento e melhores condições sociais, vou
dizer que essa pessoa não conhece a si mesmo, nem a forma como sua espécie se
desenvolve. Pois vou contar uma novidade: o mundo em que moramos já tomou como
sérias e racionais as pessoas que se comovem com as mazelas sociais.
Ironicamente, muitos dos povos considerados muito racionais por alguns,
especialmente pela mídia, são os mesmos que diminuíram suas desigualdades,
criminalizando a sua prática, e tendo a pensar que não fizeram isso por que os
discriminados ficavam felizes e passivos diante da discriminação. E o pior, quem pode dizer que essa
discriminação sumiu lá? Isso justifica parar de se ofender com ela?
Quando
trabalho para sensibilizar as pessoas sobre as questões de gênero não faço
nenhuma questão de que deixem de lado seus sentimentos, nem quando ensino
teorias, que quase sempre é o mesmo trabalho. Apenas os psicopatas agem sem
emoção e isso ainda é relativo. Politicamente as coisas DEVEM ser corretas.
Mas
infelizmente, criminalizar as minorias é próprio do processo histórico. Na
época da proclamação da república existiam os imperialistas, na época da
abolição da escravatura existiam os escravistas. Hoje os manifestantes são
chamados de vândalos e existem os que pensam que se pronunciar contra uma piada
machista é irracional.
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