Se você me perguntar se sou a favor do
direito das mulheres (direito das mulheres, que coisa mais doida de se dizer!),
da igualdade dos gêneros, da não violência contra vulneráveis, da igualdade
salarial e de oportunidades de emprego, claro que vou dizer sim e levantar meu
bloquinho de anotações. Mas se me perguntar se sou feminista, vai sair um vacilante:
Não exatamente. Isso já causou polêmica entre minhas amigas que mais admiro. Admiro
justamente pela capacidade argumentativa de discordarem de mim e dizer: Você é,
sim, Dai! Como pode não ser? Simplesmente respondo seguinte: Não é porque
estudo Antropologia que sou estruturalista ou funcionalista. Não é porque sou
formada em Ciências Sociais que sou positivista. É uma analogia pra dizer: eu
gosto, eu leio, isso me ensina, mas isso tem data, atores, personagens,
contexto... e limites. Digo apenas para mim mesma, e dessa vez num exercício
introspectivo e não para responder ou discordar delas, que o feminismo é apenas
uma das possibilidades. Da mesma maneira que aprendi com os movimentos
intelectuais que mencionei acima, aprendo a cada dia com o feminismo, sem me
deixar tomar por ele. “Ser”.
Dica: é exatamente por isso que estão
deixando de falar em identidades. É o movimento tomando banho de lagoa e saindo
refrescado.
Também se aprende por comparação e por
diferenciação. Feminismo é responsável por grandes vitórias, por grandes
avanços na cultura. Os mesmos avanços que levaram a escrever isso hoje. Mas o
próprio feminismo reconhece que esses avanços na maioria das vezes aconteceram
numa conjuntura em que era insustentável manter a ordem das coisas. E essa
ordem deu um jeito de sobreviver de alguma forma, sorrateira ou não, diante no
novo quadro. Muitas vezes coube a ele documentar e não executar. Porque é – ou esteve
– ciência e ela também faz isso num eterno retorno com a sociedade.
Não, gente, eu não perdi a aula que diz
que os termos vão além de seu significado imediato. Isso ao invés de me tornar
feminista me faz ter mais cautela ainda com seu uso. Dá pra perceber como me
dizer feminista seria negar algumas coisas que aprendi com a própria leitura do
feminismo? É essa complexidade que eu levanto.
Deixo de dar exclusividade ao feminismo quando penso sobre a teoria antropológica como um todo, que sempre levou a sério a questão de gênero, mesmo antes de Mead, Jean Scott e Judith Butler escreverem seus textos célebres. A filosofia, a história e outras fazem isso desde sempre. Aí você me esbofeteia: Você só fala de Antropologia. E eu digo baixinho, sendo arrogante: Quem lê feminismo não lê só antropólogos, mas sempre lê Antropologia ali. Falando nisso, o parentesco é um relato também das relações sexuais, emocionais, matrimoniais e tal. O próprio conceito de gênero hoje é criticado e “esvaziado”, que é como os pesquisadores chamam algo que não explica o que as pessoas da vida comum depõem. Os movimentos intelectuais, incluindo o feminismo, estão em mudança e isso é tão óbvio quanto bonito. Mas estaria prestando um desserviço a quem eu gosto deixando as pessoas pensarem que os estudos sobre o amor dos gays, mulheres e lá vêm os termos, seguem apenas essa linha. “Ah, Dai, mas é difícil pensar em relações amorosas, sexualidade (e a infinidade de termos) sem fazer isso numa perspectiva de gênero”. Mas tem gente próxima (no Piauí, em Teresina, na UFPI, no CCHL) se aventurando por esse caminho, viu? Aliás, se você perguntar para alguns/algumas – não todxs, ainda bem – teóricxs vulgarmente conhecidos como “de gênero” se são feministas, vão olhar pra você em silêncio, entortar o pescoço, dar um sorrisinho e procurar por alguns segundos a melhor forma de responder.
Eu tenho uns vinte argumentos
científicos pra provar meu ponto, mas eu achei chato ler alguns dos textos,
imagine quem veio dar só uma espiadela. Tem muito mais de onde veio essa recusa
em vestir a carapuça, mas o espaço é pouco e a paciência de quem lê também. Basta
lembrar que preciso aprender feminismo pra poder ensinar algum dia. Mas ó, por
mais arrogante que esses comentários sejam, é por deixar de lembrar isso às
pessoas que pensam que eu digo que não SOU feminista por crítica apenas – o que
seria perfeitamente aceitável. E não, isso aqui não é neutralidade, é
justamente um posicionamento, uma intromissão. Como estudante, eu preciso fazer
esse papel blasé e olhar toda a linha do tempo, considerando o que vem depois
do feminismo. Isso faz de mim uma aluna, e em última instância me posiciona na
história.
Resumindo: ainda que tenha muito de
feminismo na minha formação ele não pode ser a única chave teórica e prática.
Seria falar de equação sem mencionar igualdade. Pior, sem mencionar a
incógnita. Não é que algo me diga para não ser. É que nada me obriga a ser.
Nesse sentido digo apenas que eu e
minhas companheiras estamos em linhas de raciocínio diferentes, com objetivos
semelhantes. Não é injustiça falar de um feminismo acadêmico porque mesmo a
militância se orgulha de que ele seja fonte de discussão “intelectual”. Ele é a
prova viva de que existe correlação entre teoria e prática. Mas é injustiça eu assumir
um feminismo porque nesse oceano eu apenas molho o pé. É por ser questionada que
amanhã poderei editar esse pensamento. A constante reformulação é meu trabalho.
É o que me manda de volta pra linha do tempo do pensamento ocidental e me faz imaginar
o que será amanhã. E isso me dá mais que amigas, me dá pessoas que me
enriquecem, que me tornam mais descrente do ser humano e assim mais
investigativa. E elas sabem que isso é minha paixão.
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