domingo, 30 de novembro de 2014

O que nos incomoda nos modifica.

Quando criança eu não sabia que o Kiko, a Chiquinha, o Nhonho e o Chaves eram crianças, mas achava estranhas suas roupas. Tampouco entendia o Seu Barriga, Dona das Neves e Popis serem as mesmas pessoas que Nhonho, Chiquinha e Dona Florinda e ficava torcendo pra esses primeiros aparecerem junto com os segundos. Eu era pequena demais quando comecei a ver Chaves, pra mim as coisas ainda eram literais. Hoje percebo o brilhantismo disso: Colocar adultos pra interpretar crianças! Dizem que o povo só gosta de porcaria, mas quando percebo com que grau de brilhantismo ideias tão simples se tornaram tão populares, noto o merecimento da comparação de Bolaños com Shakespeare. Chorei e sorri com Chaves. Acho que grande parte da compaixão que aprendi foi com a comoção com a situação daquela criança, que passava fome, mas era educado por todos.
Mas não era apenas o artista que eu admirava. A pessoa dele ganhou minha admiração quando ele disse que sempre tomou o cuidado de não fazer piadas com raças, religiões ou mulheres e que a Chiquinha era propositalmente a mais esperta nas brincadeiras. Hoje, isso soaria muito inoportuno, mas na década de 1970 e com tal sutileza, acho que prova que Chaves realmente era algo de vanguarda e eterno, ou seja, um clássico. O que nos incomoda nos modifica.

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