![](http://3.bp.blogspot.com/_pF7yVRrSoB0/ShbYRFz2FXI/AAAAAAAAADY/gCG8_qwh3kk/s320/olho+verde.jpg)
— Traz o baldinho.
— Não, é pequeno.
— O amarelo.
— Não. É muito pequeno.
— Ô, é pra botar em cima.
— Um calabouço?
— É! Da Rapunzel.
— Não, calabouço é de prisioneiro.
— Calabouço é de prender princesa!
— Mas um castelo só pode ter um calabouço.
— Então é de princesa.
Trimmmmmmmmmmmm...
Do outro lado do pátio, começa a cantiga:
— Piuí, piuí, piuí, coloca a mão no meu ombro...
Limpando as mãos na roupa, ela se levanta. Que petulância! Desde sempre as madrastas prendem as pobrezinhas nos calabouços. E madrastas são malvadas! Elas não deixam as princesas brincarem no bosque. As pobrezinhas ficam lá até que chega o príncipe...
Esfregando a mão na testa, ele se levanta. Oba! É hora de brinca de massinha. E corre.
Nas mesas, cinqüenta braços se encostam em cinqüenta braços suados. Entre as testas suadas há uma mais suada. Tem uma gotinha caindo, escorregando, vai entrar no olho, ele piscou! A gotinha está lá, a três lugares à esquerda no lado oposto da mesa, molhando os cílios. Grudando um punhado de cílios. Olho verdinho. Ele é feio, está sujo. Recebeu massinha preta e roxa. Ele tem as unhas sujas... está entrando massinha...
— Meu amor, a sua.
— Hã?! — que susto! — Eu quero roxa.
— Acabou a roxa. Tem rosa, você quer?
— Quero roxinha.
— Meu bem, amanhã tem roxa, hoje só tem rosa.
— Eu quero fazer uma uva. Amanhã é sábado.
A mulher, fingindo que se preocupa:
— Tem alguma roxa sobrando?
Silêncio.
— Só tem rosa hoje — entrega a massa rosa e sai, distribuindo o que falta.
Sábado.
Domingo.
Segunda. Dois carros se emparelham muito coincidentemente. Duas mãos fortes carregam dois pares de olhos redondos. Olhos impressionados, arregalando-se. Acompanhando a loira, ele se move. Mas seus olhos verdes estão fixos em olhos negros que caminham atrás dele.
Splaft!
— Olha por onde anda! — a loira o ergue, irritada e apressada.
— Ele se machucou? — a mulher morena pergunta com um certo orgulho em ter a outra intacta agarrada à sua mão.
— Não... Tá acostumado — sorrisinho amarelo.
Para os seres centímetros abaixo delas, suas vozes soam distante... Ainda se miram fixamente.
Já dentro, um ar de solidariedade faz com que os dois estejam um após o outro. É a primeira vez que ela pega no ombro dele. A camisa macia cheira à amaciante de roupa. Em algumas horas estará toda amassada. Olhando para aquela nuca, caminha mecanicamente, guiada pela corrente.
Ela tem a mão quente.
— Mmmmmm! Ele tá te olhando.
— Quem?
Tirando a mochila, olha: a três lugares à esquerda no lado oposto da mesa. Olhos verdes. São os cinco segundos mais longos dos últimos 1.885 dias. Cinco segundos entre encontrar os olhos e desviar deles. Mais ou menos um segundo para encontrá-los, três fitando-os, um para voltar ao lugar. O que cabe em cinco segundos de olhar? Em cinco segundos de olhar, nasce uma coisa: curiosidade. Como se escreve curiosidade?
O ponteiro do relógio gira rápido e os levam para o cercado de areia. Ainda, a história do calabouço:
— Pode ter dois calabouços.
— Um de princesa e outro de prisioneiro.
— É. Vou buscar o baldinho.
Enquanto ele vai, duas mãozinhas se apertam. “Mmmm, ele tá olhando pra você”.
Quando volta, dois olhos reencontram dois olhos. Lentamente se tornam familiares. Uma novidade: um risinho junto àquele olhar duro.
Ah! O castelinho. Quietinha, caladinha. O organismo humano se utiliza de um recurso muito primitivo quando se sente acuado. Alguns dizem que essa reação parte do mesmo princípio do mecanismo utilizado pelos camaleões quando mudam de cor. Lentamente, ele sai da frente dela. Lentamente, senta ao seu lado.
Duas mãozinhas sujas de terra apertam duas mãozinhas que se apertam. Negro. Verde.
3, 2, 1, já!
Sãos os sete segundos e meios mais longos dos mais de 60,8333 meses de vida dos dois.
Olhos apertados, narizes apertados.
Trimmmmmmmmmmm...
Do outro lado do pátio, uma moça murmura sorridente:
— Ai, ai... crianças...
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