
Depois de uma longa caminhada até o bairro seguinte procurando créditos para o meu cartão de passe cheguei à parada do terceiro bairro. Três e meia da tarde. Sentada no ponto de ônibus já sabia o que me esperava: greve do transporte. Se eu conseguisse pegar, ele estaria lotado e a travessia da cidade seria ainda mais longa. Olhei para o lado, uma venda de guaraná da Amazônia.
– A senhora tem água mineral?
– Não!
Eu sei que ela pensou que eu era cega e não notei que lá vendia Gua-ra-ná-da-A-ma-zô-nia.
Sentei novamente. Do outro lado da avenida tinha uma sorveria, tinha uma sorveteria do outro lado da avenida... Eu começava a delirar de sede...
O bendito carro branco não desembuchava da minha frente e eu tive que fazer o caminho mais longo até a faixa de pedestres.
– A Senhora tem água mineral?
– Não! Eu sei que ela também teve vontade de perguntar se eu sabia o que era um sorvete.
Fiz o caminho mais longo de novo. Para alguém pensativa como eu aqueles ônibus de turismo fazendo as vezes de coletivos seriam um perigo. Se eu morresse, que eu não fosse responsabilizada.
– Vai pro centro? – Gritou uma mulher de um carro. Nessas horas tudo que as mães ensinam sobre não pegar carona com estranhos parece história da carochinha. Fiz que não com o indicador que segurava o lápis (esse acontecimento de fato aconteceu depois do que eu narro, mas incluir agora faz visualizar o clima de “cidade em greve” que estava e eu anotava pra lembrar de postar).
Eu tinha que estar na Universidade às seis.
A sede quase se materializava em minha frente. Eu já tinha olhado para todos os cantos do quarteirão, dos dois lados da rua. Se eu corresse, eu não pegava o bicho. Se eu ficasse a bicha me pegava. (A bicha era a sede, que fique claro, e o bicho dá pra suspeitar). Nesse pé vi uma seqüência do que eu achei ser refrigerante. Corri pra lá em pensamento. Seria um suplício esperar por quase uma hora e meia (tempo que gasto pra chegar à Federal do Piauí) e agonizar pelos corredores até algum dos bebedores.
Atravessando a rua, novamente, me deparei com uma farmácia. Nem reparei se era mesmo refrigerante o que eu tinha visto.
– Tem água minera?
– Não!
Tristemente eu pensei em desistir. Mas, insistindo, fiz a pergunta que queria fazer desde o primeiro lugar que procurei:
– Tem água?
– Tem!
AAAAAAAAAAA!!!!!
Ele continuou:
– Um real o copinho.
– Me dê! – Meus ombros caíram – Faz tempo que eu procuro água nesse quarteirão.
– E ninguém teve a idéia de te dar?
– Não! – Era a minha vez de falar.
Eu já ia tirando meus últimos cinco reais da carteira quando ele gritou:
– Menina, tu acha que eu vou cobrar?
– Ow, levei a sério.
Entre agradecimentos vi a marca do meu batom desaparecendo na lixeira dele.
Epílogo
Em breve eu estaria com fome e, umas cinco da tarde – ainda plantada lá – eu compraria um sorvete, veria o ônibus que me levaria pra casa passar e não pegaria. Voltei pra casa a pé ensaiando a desculpa que daria para a professora. E o Rodoviária Circular não circulou.
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